por Eng. Armando Vieira
O Engenheiro Armando Vieira foi um importante colecionador e pesquisador da filatelia portuguesa e brasileira naquilo que diz respeito aos aspectos do Correio Marítimo entre Brasil e Portugal no século XIX. Agora, a se completar um ano de sua morte em 1 de abril de 2005, um grupo de amigos, ao qual se associou o Núcleo Filatélico do Ateneu Comercial do Porto e a ANJEF, lhe prestaram uma devida e pública homenagem realizada no Ateneu Comercial do Porto, na Cidade do Porto, Portugal. Nós, do Clube Filatélico do Brasil, também homenageamos este importante filatelista reproduzindo aqui um de seus inúmeros artigos.
Poderá com certeza afirmar-se que a tendência generalizada do coleccionador de selos, durante os primeiros tempos da Filatelia, foi a de juntar "em extensão". O pequeno número de emissões por país, o baixo valor que até algumas das raras espécies atingiam, a ausência de especulação por parte dos negociantes e coleccionadores numa época em que a troca predominava sobre a compra, a pequena expansão que a própria modalidade tinha, tudo foram factores que conduziram o filatelista a dar um carácter de universalidade às suas colecções. Chegaram aos nossos dias muitos e interessantes exemplos desta época, como. os álbuns universais publicados em diferentes países, desde os mais simples aos mais sumptuosos. Pelo seu conteúdo, tantas vezes tão maltratado, se verifica que a ânsia do coleccionador quase sempre se limitava a preencher o maior número possível das folhas do seu álbum.
Supomos ser curioso citar aqui, para ilustrar esta época, o que se escrevia em 1894, no número 3 da série III, de "O PHILATELISTA". Esta revista, dirigida pelo conhecido comerciante português Faustino Martins, criou a partir deste número de sua publicação, uma interessante secção intitulada "Galeria Philatelica". Nela aparece o "retrato" do coleccionador em foco, e uma breve descrição da sua colecção. Para abrir essa Galeria, com vista a "incitar à imitação", é o próprio Faustino António Martins o número 1 dos quadros que a irão ornamentar. A ele se refere o articulista a certo passo, nestes termos: "A sua colecção conte cerca de 14.000 variedades, além de mais de 3000 das emissões continentais e coloniais de Portugal, que constituem a mais rica colecção de selos portugueses que temos visto e que certamente existe...".
Muitos anos ainda se passaram sem que o coleccionador médio fosse sentindo as diversas dificuldades que viriam a surgir pelo aumento das emissões em todo o mundo, o constante crescer de novos adeptos e o consequente rarear e encarecer de certas espécies. Mesmo assim, algumas colecções universais se formaram e de tal maneira recheadas de peças raras e valiosas que a sua fama ficou para além do dispersar quase inevitável dos seus selos. Quem não ouviu falar por exemplo da riquíssima colecção "BURRUS"? É verdadeiramente notável o catálogo do leilão referente a Portugal e Filipinas que teve lugar em Londres em Maio de 1964. Entretanto, pelos factos acima apontados, ou outros condicionantes para além deles, viu-se o coleccionador forçado a ir reduzindo o âmbito dos seus interesses. Passou assim a dedicar-se a um conjunto de Países ou mesmo a um único. Neste último caso, naturalmente o seu próprio país de origem. Ainda hoje é muito frequente esta atitude do filatelista perante a gama de opções que se lhe oferecem. Porém, quando volvidos alguns anos, conseguem preencher todas as páginas do seu álbum, encontram-se perante uma situação de certo modo embaraçosa: terminou a colecção e com ela o prazer colhido no passatempo predilecto. O Os que não se conformaram com este situação ou os que, antes mesmo de a atingirem encontraram novos campos de interesse, deram novo impulso a Filatelia, abrindo-lhes outros horizontes até então pouco explorados. Vai-se abandonando assim a fase do coleccionador em "extenso" e passa-se a faze-lo mais em "profundidade". Olha-se o selo com mais pormenor e começasse a descobrir nele novos encantos até então ignorados. Variedades de papel, diferenças de cor, medidas de denteado, cunhos e acidentes de impressão, etc., etc. Conseguiu-se desta maneira vencer as limitações e obstáculos que surgiam ao coleccionamento, com vantagem e redobrado interesse. Dá sempre maior prazer e constitui maior desafio, a descoberta feita por força do estudo e perseverança própria, duma nova variedade, do que obter um exemplar que, embora raro, muitas vezes se consegue apenas com mais ou menos dinheiro de que se possa dispor para o adquirir.
Muitos foram os impulsionadores deste nova maneira de coleccionar em Portugal. Muitos esquecidos já, outros ainda bem presentes na lembrança de todos os que seguiram as suas pisadas. Não podemos deixar de referir um ilustre quase esquecido: o Sr. A. B. Ferreira que residia no Porto, no inicio do século. Pela colaboração que inseria em "A REVISTA POSTAL PORTUGUEZA" se constata ser um. estudioso incansável e pessoa de reconhecidos méritos. São dele as seguintes afirmações que a seguir transcrevemos do nº 74 daquela revista, publicado em 1918. Diz-nos sobre o aparecimento do primeiro catálogo português publicado em Portugal: "... Percorri cuidadosamente a parte referente a Portugal (Continente) por ser esta a que mais tem absorvido a minha investigação durante os últimos 26 anos, e não lhe encontro a menor incorrecção, pelo que reconheço no sr. Simões Ferreira as qualidades necessárias para vir a ser um exímio philatelista: persistência na investigação - teimosia no investigar - e critério na classificação, aceitando certas diferenças como variedades e outras como curiosidades, que são belos adornos das grandes colecções...." Como se pode concluir trata-se de uma apreciação à primeira edição do Catálogo Simões Ferreira, feita por alguém, a quem o prestígio dos seus 26 anos de investigação, permitiam saudar o então "principiante" que tinha acabado de publicar uma nova obra cuja projecção perdura ainda nos nossos dias. Poderia parecer que o filatelista clássico, tendo a possibilidade de actuar dentro desta nova dimensão, se sentiria plenamente realizado. A evolução é porém constante em todos os campos de actividade humana e como tal, não quis o coleccionador constituir-se em excepção a esta regra. Acompanhando o estudos de Marcofilia e de História Postal, a eles adere e, não só aproveita para maior interesse e beleza das suas colecções, como, por sua vez, dá novos contributos para o desenvolvimento destes dois ramos da árvore da "ciência e arte" de coleccionador.
Assim, passa a introduzir nos seus álbuns, para além dos selos isolados ou blocos mais ou menos raros, exemplares com carimbos de interesse, peças filatélicas completas tais como cartas das quais deixou de destacar o selo adesivo e que por vezes constituem achegas preciosas para a História Postal. E, porque as presentes notas valerão com certeza mais pelas citações nelas contidas do que pelas próprias considerações feitas, gostaria de ilustrá-las com outro exemplo da evolução havida desde os tempos de Armindo Simões Ferreira até ao momento actual. Com efeito, nenhum de nos faria nós nossos dias - muito menos o próprio, se ainda vivesse - o que ela nos relata acerca de um selo de 5 reis de D. Maria II, cuja autenticidade foi posta em dúvida por Marsden: "... Ora, se não bastasse a nossa consciência de negociante o estudo a que havíamos procedido, e o facto de termos pessoalmente, descolado o selo em questão da cinta de um jornal da época, ..." (Portugal Filatélico, III série, Ano II, nº 16, Dez 1930). Se hoje ainda o fizéssemos, continuaríamos a contribuir para a perda de mais peças, porventura únicas, do já tão reduzido património filatélico nacional.
... E assim se encerra o presente artigo. Não se encerra no entanto, nem parará nunca o constante evoluir da Filatelia.
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